Ela sorriu para mim, por isso decidi levá-la para jantar. Não é sempre que a gente encontra um sorriso assim, muito menos em um supermercado. Tive sorte. Se ela não tivesse sorrido, aquele jantar não teria acontecido.
Um sorriso faz toda a diferença, especialmente no atendimento ao cliente. Ficam excluídos desta obrigação coveiros, carcereiros e proctologistas. Porém, na grande maioria dos casos, o sorriso sempre será bem-vindo e até obrigatório.
Mas como sorrir quando é obrigação? Com a atitude mental adequada, o que você obtém quando aprende a rir de si mesmo e das circunstâncias. Sim, porque o sorrir é um gentil subproduto do rir de si mesmo, uma das técnicas utilizadas para se fazer humor.
Humor é como colesterol: tem do bom e do ruim. O pior humor, e também o mais fácil de se produzir, é o que apela para a linguagem chula, muito usada nos tempos da ditadura e da censura. O pessoal pagava para ir ao teatro rir de palavrão e chamava aquilo de cultura.
Uma variação moderna é a dos programas humorísticos de TV para a terceira idade, ricos em sexo, malícia e colesterol, mas pobres em cenários: quando não é na praça, é na sala de aula.
O humor chulo também é comum entre compositores de funk, pagode ou axé, sei lá, que gostam de brincar com cacófatos. Geralmente quem faz esse tipo de humor, e o público que o aprecia, não sabe o que é cacófato.
Subindo na escala encontramos o "humor às custas do outro", que escolhe uma vítima para debochar. Como acabo de fazer com os compositores de funk, pagode ou axé, sei lá. Esta técnica faz o humorista e sua plateia se sentirem superiores, o que pode ser muito engraçado ou não passar de um patético deboche infundado para chamar a atenção.
Foi o caso do ator Robin Williams na entrevista que deu ao David Letterman. De uma tacada só ele debochou da Oprah, da Michelle Obama e da Pátria Amada, ao comentar a vitória do Brasil para hospedar as Olimpíadas:
“Chicago enviou a Oprah e a Michelle. O Brasil mandou 50 strippers e meio quilo de pó. Não foi uma competição justa”, insinuou Robin Williams enquanto a plateia obedecia ao sinal luminoso que dizia "LAUGH".
O humor seguinte na escala é aquele que faz do próprio humorista a vítima. Quando rio de mim mesmo, eu me fragilizo e me torno deliberadamente vulnerável. É por isso que costumo abrir minhas palestras sorrindo de forma ampla, geral e irrestrita. O público que acha graça, logo entra na minha. O público que não acha, pensa que eu sou bobo e me olha com um olhar caridoso de quem diz: "Ok, vamos dar uma chance a ele".
É esse o humor das pessoas de bom humor, que não têm medo de se expor ao ridículo ou de rir de circunstâncias que, para outras, teria o efeito de uma TPM das bravas. Como diz o ditado, "quem ri de si seus males espanta". Tudo bem, esta é a versão para quem nem cantar sabe.
Finalmente, a forma mais inteligente, nobre e saudável de se fazer humor é quando o humorista transforma a si mesmo e a toda a plateia em vítimas. São as situações nas quais todos, sem exceção, se enxergam ridículos e acabam rindo um riso companheiro e solidário. É como se todos andassem na rua distraídos e batessem a cabeça no mesmo poste ao mesmo tempo.
Este é o humor que desopila o fígado, alivia as tensões e une as pessoas, ao invés de separá-las. É o humor que se transforma em um sorriso duradouro e contagiante, como o sorriso com que ela sorriu para mim na seção de frios do supermercado.
Seus olhos negros como azeitonas, sua pele de um branco que lembrava mussarela, seus cabelos dourados como queijo cheddar e lábios carnudos e vermelhos como uma fatia de salame me fizeram salivar.
A balconista me observava sorridente, enquanto eu a parabenizava por sua criatividade. Coloquei no carrinho a pizza com cara de moça que a balconista criara, e fui para casa jantar bom humor e mau colesterol.
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