Pesquisadores detectam há tempos distorções, como a compulsão para se manter conectado, como um vício
O Google anunciou na semana passada um projeto para enfrentar o Facebook, disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial e despertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas, capazes de nos fazer ainda mais conectados.
No dia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidade também de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogos americanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral: um distúrbio já batizado de “cérebro de pipoca”.
Esse distúrbio é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho explodindo no óleo quente.
A falta de foco gera entre os portadores do tal “cérebro de pipoca” um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal.
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Sou um tanto desconfiado de notícias alarmantes provocadas pelo surgimento de novas tecnologias. Toda ruptura desencadeia uma onda de nostalgia e de temores em relação ao futuro.
Mas algumas pesquisas em torno do “cérebro de pipoca” merecem atenção por afetar o processo de aprendizagem. Uma delas foi realizada em Stanford, a universidade que, por ajudar a criar o Vale do Silício, na Califórnia, impulsionou a tecnologia da informação.
Neste ano, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford, revelou num seminário sobre tecnologia da informação a pesquisa que fez com jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocar muitas tarefas ao mesmo tempo.
Ele mostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem as emoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados. “Relacionamento é algo que se aprende lendo as emoções dos outros”, afirma Nass.
O problema, segundo ele, está tanto na falta de contato cara a cara com as pessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante, percebendo sutilezas, o que exige atenção.
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Os pesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como a compulsão para se manter conectado, semelhante a um vício.
Trata-se de uma inquietude permanente, provocada pela sensação de que o outro, naquele momento, está fazendo algo mais interessante do que aquilo que se está fazendo. Tome o Facebook ou qualquer outra rede social.
Chegaram a desenvolver um programa que envia para o celular da pessoa um aviso sempre que um amigo dela está se aproximando de onde ela está.
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O estímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de emprego uma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo.
Mas o que Nass, o professor de Stanford, entre outros pesquisadores, defende é o contrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, fica menos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo de linearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações.
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Não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real.
Daí se entende, em parte, segundo os pesquisadores, por que, em todo o mundo, está explodindo o consumo de remédios de tarja preta para tratar males como a ansiedade e a hiperatividade.
PS- Perto da minha casa, aqui em Cambridge, há uma padaria artesanal, com mesas comunitárias, que decidiu ir contra a corrente. Seus proprietários simplesmente proibiram que se usasse celular lá dentro para diminuir a poluição sonora e a agitação. Sucesso total. O efeito colateral: ficou difícil conseguir lugar.
Gilberto Dimenstein, 53 anos, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha.com às segundas-feiras.
Fonte: Catraca Livre - Uol.com
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