A esperança é um sentimento que faz parte do ideário de todo homem. É um sentimento que não requer muita elaboração. O substantivo é derivado do verbo “esperar” e tem suas origens no latimsperantia. E, em sua acepção mais comum, embora esteja associada ao bem e a valores elevados, em sua essência é sentimento que subjaz nas recamaras mais íntimas de todo homem e pode estar ancorada n’algo nobre e bom, ou em desejos egoístas e maus. O ponto é todo homem aspira algo. Todo coração – sede dos sentimentos – deseja alguma coisa. Os anelos são característica comum ao homem, e, em grande medida, o propulsor de todo avanço humano. A história e a literatura são pródigas em fornecer exemplos que corroboram esta realidade. Desde motivos altivos, como a justiça de Sócrates, exibida em seu embate com Trasímaco no primeiro livro da República de Platão, bem como na epopéia de Camões, ao narrar a heróica empreitada de Vasco da Gama pelos “mares nunca d’antes navegados”, aonde chega a citar a esperança mais de uma dezena de vezes, até às aspirações de conquista e poder que permearam a história da humanidade, como seu viu no nascimento e queda de diversos impérios; enfim, a esperança é o sentimento por trás das ações que provocaram tais progressões.
Mas, a Palavra de Deus tem empregado esta expressão sempre com um sentido muito próprio. Para o cristão, a esperança é um sentimento muito caro, que se expressa pela fé e ambos são, reconhecidamente, fruto da ação da graça de Deus no coração do homem. Nas Escrituras, a esperança está ligada à essência da vida cristã. Em várias oportunidades, o apóstolo Paulo emprega as expressões fé, esperança e amor para descrever o que deveria tipificar de forma mais fundamental a vida cristã [Rm. 5.2-5; Gl. 5.5,6; 1 Ts. 1.3; 5.8 e 1 Co. 13.13]. Na linguagem do apóstolo Paulo, esses três dons parecem ser essenciais ao cristão, de modo que a vida cristã poderia bem ser resumida pelo exercício deles. A Esperança é um dos dorea de Deus que, como podemos ver em 1 Co. 13.13, está na galeria dos mais excelentes dons. A esperança do porvir é o que sustenta o cristão neste mundo de trevas e anima seu espírito a continuar caminhando. Na alegoria de John Bunyan, o Peregrino, um dos companheiros de viagem do protagonista era Esperança. Sempre que, em sua jornada, Cristão se via desanimado e em situação de pecado, Esperança foi-lhe um companheiro muito útil, que fazia-lhe lembrar de onde ele tinha saído e para onde estava indo; Esperança foi um grande consolo para Cristão nos momentos mais difíceis de sua jornada. Confortou-lhe quando seu companheiro, Fiel, foi martirizado e acompanhou-o até que Cristão contemplou a cidade celestial à sua frente. Assim deve ser conosco. Paulo tinha grande estima por este dom de Deus porque ele é, de alguma maneira, nosso senso de antecipação do tempo em que estaremos junto de Deus o Pai, na presença de todos os santos, no reino por vir. A esperança é o que distingue o cristianismo da maior parte das seitas. Nós temos um senso de espera; de antecipação; de aguardo, como a noiva aguarda o noivo na beira do altar, assim aguardamos a vinda do reino de Deus, cheio de expectativa e felicidade. Nós nos preparamos para a vinda do cordeiro. A esperança produz esse senso de preparação; de aperfeiçoamento. O Senhor Jesus estimula-nos a anelar pela vinda do reino em sua oração, o Pai nosso: Venha o teu Reino, disse Jesus, como lemos em Mateus 6.9.
A vida de diversos dos heróis da fé é caracterizada justamente pela esperança. A vida de grandes homens de Deus, quando vistas em perspectiva, demonstram como a esperança no Senhor foi fonte de consolo diante de dificuldades e situações extremas cujo desfecho eles não conheciam, mas que, pela esperança na Palavra de Deus, viram sua fé fortalecida e sua confiança, renovada. Vemos isso nos patriarcas, em José, em Moisés, e em muitos outros fieis servos Deus com quem Ele entrou em aliança. A vida do rei Davi, todavia, é uma ilustração viva de como a esperança foi-lhe uma aliada sempre presente e companheira de seus triunfos. Vemos que, num dos momentos mais dramáticos de sua vida, quando, após haver sido ungido como futuro rei de Israel, haver vencido inimigos poderosos, tornado-se, ainda tão jovem, general do exército do rei, casado-se com sua filha, e encontrado grande fama e simpatia entre seus conterrâneos, enfim, após haver alcançado posição tal que, o que se esperaria era tão somente a confirmação da palavra profética de Samuel, então, conforme se acha registrado em 1 Samuel de 18 a 21, uma série de eventos trágicos se desencadeiam, e, perplexo, o grande herói se vê em fuga frenética daquele a quem, d’antes, defendera com a vida e com quem se aparentara, Saul; vê-se indiretamente responsável pela morte de vários dos profetas do Senhor e, finalmente, em desespero, em fuga para a nação mais odiosa, a terra dos filisteus, para a cidade de Golias, e, tendo como aparato de defesa, justamente a espada e escudo de Golias, o que seria, naturalmente, reconhecido pelo povo da cidade e tido como ato de provocação. No auge do desespero, Davi é capaz de lembrar-se da Palavra do Senhor, das promessas do Senhor e de expressar sua resoluta confiança em Deus. Vemos a certeza de sua esperança em todo o Salmo 56, especialmente quando Davi vincula sua esperança à Palavra – Palavra que ele exaltava e louvava. Davi celebrou seu livramento deste episódio pelas palavras do Salmo 34.
A esperança do cristão está ligada à Palavra de Deus e à certeza de que, pela fé, ela se cumprirá.
Salomão esboça esta realidade com grande destreza no texto de Provérbios 13.12, que diz “A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida”. Aqui, ao empregar o paralelismo próprio dos provérbios judaicos, ele demonstra a realidade acerca da expectativa humana e corrobora o dito popular sobre a esperança: “a esperança é a última que morre”; de fato, a expectação não alcançada traz sofrimento, angustia e desânimo, fazendo “adoecer o coração”. Em palavras mais concretas, ao demonstrar que todo esforço e conquistas humanas são “vapor”, em Eclesiastes, somos confrontados com o fato que, todo esforço e toda esperança do homem são vapor, se não estiverem alicerçados na única fonte verdadeira de alegria e gozo: as promessas do Senhor. A expressão “árvore da vida” é emblemática nas Escrituras. Era a fonte da vida no Jardim e é a planta viçosa do reino porvir. Agostinho “brincou” com as árvores da perdição e da vida ao discorrer sobre sua perdição – na pereira – e sua salvação – no jardim onde havia uma árvore – em suas Confissões. Vemo-la ainda nos Salmo 1 e em Jeremias 17.8 como ilustração do homem que deposita sua confiança, sua esperança no Senhor e em sua Palavra.
John Piper, ao citar Jonathan Edwards e C. S. Lewis em sua pequena obra Plena Satisfação em Deus[1], lembra que o maior problema do homem não é o fato dele buscar a felicidade, mas o de fazê-lo na fonte errada. A principal fonte de felicidade e alvo peremptório de esperança do homem é Deus, e Ele só pode ser achado em Cristo, o qual, por sua vez, é encontrado no Evangelho da Salvação, a qual encontra o coração do homem pela pregação da Palavra (Rm. 10.17).
Assim, a santa aliança que Deus estabeleceu com o homem e o compromisso que Ele tem com sua própria glória e Palavra haverão de ser a fonte da mais resoluta, segura e firme esperança de todo homem. Esta esperança não morre, mas ela se cumprirá plenamente. Neste dia, ela se desvanecerá, e apenas o amor permanecerá (1Cor. 13.13).
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