Mães sofrem de Síndrome do Ninho Vazio após a saída dos filhos de casa


Com os filhos criados e morando fora, a técnica em ótica Lurdes Moura fica com coração despedaçado. "Muitas mães se doam a tal ponto que elas não sabem quem elas são mais", explica a psicóloga Karina Haddad.
Beatriz Thielmann

A solidão pode doer muito e faz doer o coração que fica invadido por tristeza e melancolia. São sensações que acabam levando a um isolamento maior. Para muitos, a única forma de transformar a convivência social em prazer é se unirem a outros solitários com as mesmas dores. Em São Paulo, um dos principais endereços para esse encontro é o Hospital das Clinicas.
Quando chegam ao hospital, já passaram por várias especialidades médicas. “O paciente que busca o nosso ambulatório é um paciente que já vem cansado. Ele acha que é a última porta alternativa que ele tem para poder melhorar”, afirma a psicóloga Adriana Lodduca, da PUC-SP.
Mas o que começa primeiro: a dor ou a solidão? A doutora em psicologia clínica da PUC de São Paulo e, que também atende no Hospital das Clínicas, tem uma certeza: “Dá para saber que uma pode interferir na outra. A gente pode falar que a solidão ajuda a desenvolver situações de adoecimento”.
Os pacientes são atendidos pela médica Lin Tchia Yeng, do Hospital de Clínicas da USP, doutora em fisiatria, parte da medicina que estuda as razões que levam a dores físicas que nunca saram.
Globo Repórter: A emoção pode mesmo provocar uma dor crônica?
Lin Tchia Yeng, fisiatra: Sim. É comum as pessoas transferirem a tensão do estresse para o músculo, a tensão nas costas, e isso causa dor.
Globo Repórter: Quando eles chegam aqui em busca de tratamento, dá para perceber se eles se sentem muito sós, mesmo tendo famílias?
Lin Tchia Yeng, fisiatra: Sim, porque a dor isola as pessoas. É muito comum as pessoas falarem: ‘eu nem reclamo mais da minha dor. Não tenho mais crédito. Eu prefiro sofrer calado’. E isso também gera outro tipo de sofrimento.
Foi a aposentada Cida Rabelo quem levou a equipe do Globo Repórter ao Hospital das Clínicas. Ela fez questão de mostrar como se sente melhor nesse grupo. Não perde a terapia uma vez por semana. É o motivo que faz Cida sair de casa. “Aqui a gente conversa, vê outros tipos de problemas. A gente tenta ajudar uma a outra”, diz Cida.
Não é que no Grupo de Dor Cida se transforma em conselheira.
Quem escuta é a técnica em ótica Lurdes Moura, outra que está pagando um preço alto pela solidão. Há quatro anos, ela teve que abandonar o trabalho. Ela tem fibromialgia, uma dor muscular que leva à paralisação. “Já fiz quatro cirurgias pela medula, mas não resolveu nada. Já passou para o outro braço e já está passando para as minhas pernas”, conta. “Tudo é psicológico. Essa dor toda é psicológica, e a gente não consegue tirar da cabeça”.
Com os filhos criados e morando fora, a técnica em ótica Lurdes Moura fica com coração despedaçado. Chegar em casa depois da terapia é muito difícil: “É raro dia em que eu não choro, principalmente à noite”.
Lurdes sofre de um tipo de solidão conhecida como a Síndrome do Ninho Vazio. É quando a família segue seu próprio rumo e a mãe se sente abandonada.
Também em São Paulo, mas do outro lado da cidade, a economista Neide Ayoub conhece bem esse sentimento. O único filho botou o pé na estrada e foi estudar em uma universidade no interior paulista. Ela achou tudo muito natural, até que alguns dias depois... “Vou ligar para ele, vou ver como ele está. E eu vi que ele não tinha tempo para falar comigo. Então, foi um choque para mim. Achei que deixei um filho lá e que eu tinha o mesmo espaço, mas era uma doce ilusão”.
Lá estava Neide, pronta para ser atacada pela Síndrome do Ninho Vazio, mas ela sentiu o perigo e, rapidamente, reagiu.
Hoje, a vida é mais intensa, procurando a saúde. O tempo é bem aproveitado. E os resultados pessoais já são evidentes. O maior deles é um novo olhar para a realidade. “Quando você se depara com a mudança, a vida te dá todos os recursos para você se adaptar àquela nova etapa. Você tem que estar muito atento a esses recursos. Eu procuro desenvolver a habilidade de receber bem o novo. Meu filho estudar lá é uma nova etapa. É uma nova vida”, comenta Neide.
A vida de Lurdes continua a mesma: dores, médicos, terapia e a volta para casa. As lembranças não matam a saudade, alimentam ainda mais a sensação de ser só e o não ter nada para fazer.
“Acabou a novela e vou dormir. Até o remédio fazer efeito para eu dormir demora meia hora. Aí fico pensando, bato a cabeça no travesseiro e já começo a pensar na vida, em tudo o que eu era e sou”, revela a técnica em ótica Lurdes Moura.
“A doença, na verdade, é a ausência de vida, é a ausência do auto-amor, do auto-apreço. Muitas mães se doam a tal ponto, em um apego tão exagerado, que elas não sabem quem elas são mais. Com a saída do filho, isso fica muito evidente. Isso causa muita tristeza, uma sensação de carência extrema, de vazio absoluto, uma sensação de perda de si mesmo”, aponta a psicóloga Karina Haddad.
Lurdes: Sou muita mãezona.
Globo Repórter: Você é meio dona deles?
Lurdes: Sou.
Globo Repórter: Por que você depende tanto dos seus filhos, dos seus netos emocionalmente?
Lurdes: Eu acho que é por causa do carinho que eles me davam.


Fonte: Globo Repórter
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