Escolas usam criatividade para conscientizar alunos contra o bullying



Cartaz dos estudantes do Emplo e ilustrações da cartilha que combate 
discriminação

Os tiros disparados numa escola em Realengo, no Rio de Janeiro, acertaram também o coração e as emoções de milhares de brasileiros e trouxeram à tona a discussão sobre o que está por trás da motivação assassina de Wellington Menezes de Oliveira: o bullying. As humilhações, as frustrações e o sofrimento que levaram à psicopatia e ao transtorno mental do atirador que ceifou a vida de 12 jovens está na pauta do dia de escolas públicas e particulares. Em campanhas, palestras e ações de conscientização, instituições de ensino de Belo Horizonte e da região metropolitana começam a transformar em dever de casa o combate ao bullying e à violência escolar.


As estratégias se mostram urgentes, pois, enquanto todos os olhos estão voltados para as manchas de sangue deixadas na Escola Municipal Tasso da Silveira, a história levanta um triste passado em que o bullying e assustadores massacres já estiveram de mãos dadas. Em 2003, um rapaz obeso, vítima de apelidos humilhantes, entrou armado no colégio em que havia estudado, em Taiúva (SP), feriu oito pessoas com disparos de revólver calibre 38 e depois se matou. Nos Estados Unidos, dois adolescentes também ridicularizados pelos colegas mataram 13 alunos e feriram outras dezenas, em 1999, no Instituto Columbine, no Colorado.


Se antes a palavra bullying tinha um significado forte apenas para jovens que sofrem o preconceito e a intimidação dos colegas, o massacre de Realengo popularizou o termo de origem inglesa derivado de “bully” – que quer dizer valentão. Nas palavras do assassino Wellington, a expressão ganhou os contornos da covardia e do desequilíbrio emocional. “A luta pela qual muitos irmãos no passado morreram, e eu morrerei, não é exclusivamente pelo que é conhecido como bullying. A nossa luta é contra pessoas cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência e da fraqueza de pessoas incapazes de se defender”, disse o atirador, em vídeo possivelmente gravado dois dias antes da tragédia no colégio da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A atitude e a declaração do cruel assassino ecoaram na Escola Municipal Professor Lourenço de Oliveira (Emplo), no Bairro Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte. Assustados com a tragédia ocorrida no último dia 7, no Rio, os estudantes mineiros se apressam para lançar, ainda este mês, a campanha “Todos contra o bullying”. A iniciativa, que prevê debates em salas de aula e ações de conscientização com os 650 alunos do 6º ao 9º anos do ensino fundamental, está sendo organizada pelo grêmio estudantil da instituição. “Os alunos têm dificuldade para identificar a diferença entre uma brincadeira e a violência. Por isso, vamos explicar o que é o bullying e criar um jornal na escola para tratar do assunto”, diz o presidente do grêmio, Matheus Maciel Rocha, de 13 anos, aluno do 9º ano.

O grande impacto do tema na escola se deve a um episódio recente, ocorrido no fim do ano passado na Emplo. Um estudante da 7ª série desenvolveu um quadro de depressão e síndrome do depois de ser alvo de piadas e brincadeiras de mau gosto dos colegas. “O garoto desapareceu do colégio por uma semana e recebi o telefonema da mãe dele relatando as mágoas e angústias decorrentes de apelidos pejorativos, como “gordinho” e “bolinha”. Como mecanismo de defesa, ele também havia se tornado agressivo com os colegas e sempre havia uma troca de farpas”, conta a diretora da escola, Márcia Vieira Lourenço.

Para Alicy Neves de Moura, de 14, colega de sala da vítima, os colegas faziam brincadeiras sem pensar nas consequências. “Eles escondiam a mochila, roubavam os tênis dele e faziam piadinhas. Na maioria das vezes ele não levava a sério e demoramos a perceber que aquilo o magoava tanto”, afirma. A solução para o problema passou, inevitavelmente, pela mediação de conflitos. Depois de várias reuniões para identificação dos agressores, a direção da instituição propôs que os alunos escrevessem cartas com pedidos de desculpas para o colega deprimido.

“Essa atitude simples deu uma reviravolta no quadro gravíssimo. O aluno passou a frequentar um psicólogo e aceitou voltar para a escola. Ele pediu para mudar de turma e, às vezes, ainda fica meio ressabiado. Mas a ressocialização está caminhando bem e hoje ele até faz parte do grêmio estudantil”, comemora a diretora Márcia, que incluiu o combate ao bullying no regimento escolar e agora ajuda os alunos a criar um material educativo para a campanha de repressão a esse tipo de violência.

Parte do currículo

As aulas de história no Instituto Educacional Novos Tempos, em Contagem, na Grande BH, ganharam um conteúdo a mais neste mês. Para tentar que o bullying permaneça longe das salas de aula e dos pátios, alunos e professores se uniram numa campanha que já começa a mostrar resultados. Os primeiros banners, confeccionados pelos próprios estudantes, dão um colorido diferente às paredes da escola. “A ideia nasceu da necessidade de definir o que é bullying. A prática virou um modismo e precisamos nos prevenir desse tipo de perseguição, que se caracteriza por ser repetitiva e que causa sofrimento”, diz um dos voluntários do projeto, Luiz Philippe Santana, de 16, aluno do 1º ano do ensino médio.

Incentivados pelo professor de história Joubert Cordeiro Lisboa, os estudantes vão agora levar a campanha para outras escolas de Contagem e até para sinais de trânsito no Centro da cidade. “Vamos começar um trabalho mais amplo para mostrar que, na nossa geração, não há mais espaço para preconceito, homofobia e exclusão racial ou social. Os jovens precisam abrir mais a cabeça para respeitar as diferenças”, declara Vinícius Rezende, de 16, também integrante do projeto.

Palavra de mãe

Para quem já sofreu na pele a violência do bullying, a sensação é de que ainda há um longo caminho a ser percorrido rumo à paz nas escolas. Em junho do ano passado, um estudante de 15 anos foi espancado por três colegas em um colégio no Bairro São Luiz, na Região da Pampulha, ao tentar defender um amigo de humilhações e brincadeiras de mau gosto. Com um soco inglês, os agressores feriram o adolescente na orelha, na boca e no peito e, além das cicatrizes, ainda restam o medo e o trauma.

“Ele foi chamado de dedo-duro e X-9 por ter contado ao colega que um grupo estava fazendo ameaças e planejando agredi-lo. Ele foi espancado por esses jovens e ficou muito machucado. Ele ficou 20 dias sem sair de casa e passou por uma maratona de exames médicos e consultas para evitar lesões mais graves. Hoje, está numa outra escola e estamos tentando virar essa triste página, mas ainda fica no ar o medo e a pergunta sobre o que passa na cabeça dessa juventude”, lamenta a mãe do adolescente, que preferiu não se identificar.



Fonte: Em.com - Estado de Minas
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