O mal do culto à urgência - Fabiana Corrêa - 08/03/2010


José Carlos Teixeira Moreira, presidente do IMI: Quem não sabe gerenciar 
o tempo não sobrevive numa cultura de imediatismo

Entrevista: José Carlos Moreira e Sigmar Malvezzi

A pressa virou valor nas empresas, dizem José Carlos Moreira e Sigmar Malvezzi, 
consultores que vêm apoiando quem quer tirar a corda do pescoço

Metas cada vez mais desafiadoras e pressão por desempenho no curto prazo (três meses, no caso das empresas de capital aberto) ajudaram a criar a cultura de urgência nas companhias e nos profissionais. A pressão por resultados tirou muitas empresas do caminho traçado em sua estratégia e as colocou cada vez mais para trabalhar em sobressaltos, diz José Carlos Teixeira Moreira, presidente do Instituto de Marketing Industrial (IMI), com sede em São Paulo, que presta consultoria em gestão para apenas seis grandes empresas por ano.

José Carlos e Sigmar Malvezzi, consultor do IMI e professor de gestão na Fundação Getulio Vargas, vêm estudando o tema e atuando nas empresas para tirá-las dessa correria. Aqui, os dois falam sobre a pressa que tomou conta das corporações e seus efeitos na vida das pessoas.

"A pressa está comprometendo o futuro das empresas e dos profissionais. Elas não conseguem implantar sua estratégia e eles só sabem trabalhar na urgência"

Quando é que começou esse culto à urgência?
José Carlos Moreira: Percebemos que isso vem se intensificando, mas, no ano passado, era uma queixa da maior parte das empresas que procuravam o Instituto de Marketing Industrial para projetos de consultoria. A pressão, as metas, a conjuntura econômica com fusões, o medo de ser substituído ou engolido fez com que a pressa virasse um valor. Ficou comum mudar tudo na última hora. Ninguém mais parece achar isso estranho, ou falta de planejamento. Aí, as empresas começaram a confundir pressa com velocidade. Pressa é para quem está atrasado. A urgência, no hospital, é para quem deixou a coisa chegar no limite, mas as empresas estão vivendo assim, como se estivessem no limite o tempo todo, e põem em risco sua estratégia. Em alguns casos, nem mesmo traçam essa estratégia, pois estão engolidas pela urgência. Notamos que 60% das empresas com as quais temos contato estavam com essa questão, mesmo quando a urgência não fazia parte do negócio.

A evolução tecnológica influenciou esse culto? 
 Sigmar Malvezzi: A tecnologia da informação fez crescer a cobrança por desempenho e resultados no menor tempo possível. É como se tudo tivesse de ser feito em tempo real. Mas isso também aumenta a ocorrência de erros estratégicos e, consequentemente, dos custos qualitativos e psicológicos. As pessoas que crescem com esse ambiente, nessa cultura, acabam desenvolvendo uma capacidade limitada de pensar por causa do tempo curto imposto.

Como isso mudou a carreira e as competências nas empresas?
 Sigmar: Administrar um negócio era algo mais ligado a habilidades cognitivas e racionais. Hoje tem a ver com inovação, boa utilização do tempo e intuição. Quem não sabe gerenciar o tempo e trabalhar com esse imediatismo tem sérias dificuldades de sobrevivência. Mas temos que questionar se todas as áreas de uma organização precisam trabalhar assim em período integral.

José Carlos: É mais complicado assegurar um ambiente agradável e propício à criatividade e aos relacionamentos. Temos que questionar se é correto avaliar desempenho baseados somente no cumprimento de metas de curto prazo. O problema é que as metas e cobranças mudam a cada minuto.

Esse cenário vem afetando os negócios e a qualidade?
 José Carlos: A Toyota é um exemplo disso. Sempre foi marcada pela qualidade. Quando assumiu a liderança, teve inúmeros problemas por causa da pressa em ficar em primeiro lugar. Mas isso é uma escolha. As empresas duradouras, que sonham com a continuidade, têm velocidade, e não pressa. Elas constroem relações éticas, que têm a ver com o passado, e senso de prosperidade, que está ligado ao futuro.

Essas empresas exigem um tipo de profissional que não havia há algumas décadas. Como ele é? 
 José Carlos: Elas escolhem os meninos, os mais jovens, sempre. É o método submarino em uma guerra, em que só entram os mais jovens, os que não sabem o que estão perdendo e não questionam para conseguir chegar aonde precisam. Não é só o caso de passar muitas horas no trabalho, mas de tomar atitudes que apenas pessoas muito jovens submetidas a uma grande pressão seriam capazes de tomar. Tenho conversado com headhunters para entender as consequências disso no longo prazo e sei que há executivos, mesmo jovens, que estão estigmatizados. Não conseguem mais se adequar a companhias onde o tempo é menos cruel e onde as pessoas discutem as questões. Em boa parte, são muito individualistas e aceitaram o convite da empresa para trabalhar de um jeito mercenário. Você paga, eu faço. Se algo não estiver bom para mim, eu vou embora. Com o tempo, isso acaba contaminando os clientes e os fornecedores.

As fusões e aquisições influenciam esse cenário? 
José Carlos: O medo de ser substituído por outro, a pressa em definir quem fica no meio desse ambiente de sobreposição de cargos... Se instala, então, um processo de consolidação de poder, que leva a uma luta pela sobrevivência.

Quem tem de ficar de olho para que as coisas não cheguem a esse ponto? 
 José Carlos: Acho que esse é um papel da primeira linha da gestão. E há definitivamente um despreparo dos profissionais de RH. Eles têm que perceber que, na pressa, as pessoas acabam se fiando apenas na intuição, pois não têm tempo para definir estratégias de longo prazo. É tudo no curto prazo e o que a empresa queria para daqui a dez anos se perdeu diante das mudanças do dia a dia.

Fonte: você s/a
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