Percepções sobre Alzheimer podem oferecer plano de ataque

Cientistas buscam entender proteína no cérebro relacionada ao Alzheimer
Pesquisadores do Alzheimer estão obcecados por um pequeno e grudento fragmento de proteína, a beta amiloide, que se junta em formato de bolas nos cérebros de pacientes com essa doença neurológica degenerativa.
Ela é uma proteína normal. O cérebro de todas as pessoas a produz. Mas o problema com o Alzheimer é que ela começa a se acumular em bolas --as placas. O primeiro sinal de que a doença está se desenvolvendo -- antes de qualquer sintoma-- é o acúmulo de amiloide. E durante anos, deduziu-se que o problema do Alzheimer era que as células do cérebro estavam produzindo proteína demais.
Mas agora, um surpreendente novo estudo descobriu que essa visão parece estar errada. A maioria das pessoas com Alzheimer parece produzir quantidades absolutamente normais de amiloide, mas elas simplesmente não conseguem se livrar da proteína. É como uma pia que transborda graças a um ralo entupido, e não por uma torneira que não fecha.

Essa novidade faz parte de uma onda de descobertas inesperadas que vêm enriquecendo as visões científicas da gênese do Alzheimer. Em alguns casos, como a história do descarte de amiloide, o trabalho aponta a novas formas de entender e atacar a doença.
Se os pesquisadores conseguissem encontrar uma maneira de acelerar esse descarte, talvez pudessem desacelerar ou interromper a doença. Pesquisadores também descobriram que a amiloide, em suas quantidades normais, parece ter uma função no cérebro --ela pode estar agindo como um disjuntor, para evitar que as descargas dos nervos fiquem fora de controle.
Mas amiloide em excesso pode desligar os nervos, eventualmente levando à morte celular. Isso significa que, se os níveis de amilóides fossem reduzidos no início da doença --quando a amiloide em excesso já atordoa as células nervosas, mas ainda não as matou --, os danos poderiam ser revertidos.
Outra linha de pesquisa envolve a rede padrão do cérebro: um sistema de células que está sempre ligado em algum nível. Ele inclui o hipocampo, que é o centro de memória do cérebro, mas também outras regiões, e representa o modo de “divagação mental” do cérebro --a parte que está ativa quando, por exemplo, você dirige seu carro e começa a pensar sobre o que fará para jantar. Esse sistema cerebral, segundo os cientistas, é exatamente a rede que é atacada pelo Alzheimer, e protegê-lo de alguma forma poderia ajudar a manter a saúde do cérebro por mais tempo.
Por exemplo, durante o sono sem sonhos, imagina-se que a rede padrão esteja menos ativa, como uma lâmpada em meia-luz. A rede também reduz sua atividade durante atividades intelectuais intensas e focadas, que usa regiões diferentes do cérebro. Uma nova teoria sugere que, se a rede padrão pode ficar em descanso, a produção de amiloide pode ser reduzida --permitindo inclusive que um sistema de descarte de amiloide, parcialmente amarrado pelo Alzheimer, faça um melhor trabalho.
O resultado de todo esse trabalho é um vigor renovado no campo. Após anos em que não se sabia como atacar essa devastadora doença, os cientistas têm quase um exagero de riqueza. As pesquisas estão em estágios iniciais, é claro, e há muitas questões acerca de quais descobertas e ideias levarão a uma prevenção, ou um tratamento, que funcione.
Mas existe uma nova esperança de que, finalmente, essa terrível doença poderá eventualmente ser vencida, afirmou Richard Mohs, líder do grupo de Alzheimer da companhia farmacêutica Eli Lilly.
“Estamos muito mais próximos, e bastante otimistas de que conseguiremos chegar lá”, disse Mohs.
Uma pergunta crucial
Quando o Dr. Randall Bateman tentou, pela primeira vez, obter financiamento para uma tentativa de responder a uma pergunta do tipo “o ovo e a galinha” sobre o Alzheimer, alguns grandes financiadores o recusaram, dizendo duvidar que aquilo daria certo. Mas eles estavam errados. Ele conseguiu sua resposta, embora tenha levado muito mais tempo do que o esperado, e seu artigo descrevendo os resultados foi recentemente publicado online pela revista “Science”.
A pergunta lhe ocorreu em 2003, quando ele trabalhava como neurologista. Certo dia, ele estava sentado na lanchonete do hospital da Universidade Washington, em St. Louis, aproveitando uma sopa grátis. O Dr. David M. Holtzman, professor de neurologia, se juntou a ele, e os dois começaram a conversar sobre o enigma do Alzheimer. Por que, se perguntava Bateman, a beta amiloide se acumulava no cérebro dos pacientes? As pessoas a estariam produzindo em excesso? Ou seriam elas incapazes de descartar o que haviam produzido?
Ótima pergunta, respondeu Holtzman, mas que tipo de testes você poderia fazer para respondê-la?
Bateman ruminou sobre o assunto por um ano, e finalmente chegou a um método. Não seria fácil --os participantes do estudo teriam de ficar 36 horas com um cateter em sua coluna vertebral, coletando fluido cérebro-espinhal. “Eu disse, ‘Eu acho que provavelmente posso desenvolver e fazer isso em cerca de seis meses”, disse ele a Holtzman.
Holtzman tinha suas dúvidas.
“Achei que sua ideia poderia funcionar conceitualmente, mas tudo dar certo num ser humano era uma possibilidade remota”, disse ele.
O plano de Bateman era colocar um cateter na veia de uma pessoa e introduzir um ingrediente --o aminoácido leucina, de que as células precisam para produzir a beta amiloide.
A leucina infundida seria quimicamente modificada com uma forma de carbono que não afetasse sua função ou segurança, mas que tornasse mais fácil detectar a amiloide recém-produzida à medida que ela fosse liberada pelo fluido espinhal. E sabendo a quantidade de leucina injetada nas pessoas, ele poderia medir quanta amiloide foi produzida e a velocidade com que ela era drenada.
Quando o estudo começou, o próprio Bateman foi seu primeiro participante. Em seguida ele fez o teste em pessoas de 30 e 40 anos, além de idosos saudáveis e pessoas com Alzheimer.
Ele finalmente terminou o estudo, obtendo sua resposta em sete anos --em vez dos seis meses que havia ingenuamente citado.
O problema com o Alzheimer, ele descobriu, é o descarte. A beta amiloide, segundo ele, normalmente é descartada com extrema rapidez --em oito horas, metade da beta amiloide no cérebro já havia sido varrida do cérebro e substituída por nova beta amiloide.
Ele descobriu que, com a doença de Alzheimer, a beta amiloide é produzida em ritmo normal, mas ela fica ali, sendo drenada numa velocidade 30 por cento menor do que em pessoas saudáveis da mesma idade. E os idosos saudáveis, por sua vez, limpam a substância do cérebro mais lentamente do que os jovens.
Isso significa que poderia ser possível atacar o Alzheimer não só se livrando da beta amiloide, mas também acelerando seu descarte. E, segundo ele, há uma mensagem clara em seus resultados.
“O que pode estar ocorrendo é que o mecanismo de descarte se quebra primeiro”, disse Bateman. Lentamente, com o passar dos anos, a beta amiloide começa a se acumular no cérebro. Se aquele descarte pudesse ser consertado, ou aprimorado, o acúmulo nunca aconteceria.
Beta amiloide como controle de sinais
Durante anos, os pesquisadores do Alzheimer se perguntaram se o cérebro usava as pequenas moléculas de beta amiloide ou se aqueles fragmentos, criados pela divisão de uma proteína maior, seriam mais como pedaços de tecido, sem propósito e apenas ficando no caminho.
Hoje, alguns dizem que podem ter a resposta. A beta amiloide, em pequenas quantidades, parece controlar os sinais entre as células nervosas, reduzindo a intensidade desses sinais quando eles são fortes demais. Mas quando ela se acumula, o cérebro fica com excesso de uma coisa boa. Os impulsos nervosos podem ser completamente interrompidos, nervos podem morrer e a doença pode assumir o controle, segundo essa ideia.
O trabalho que levou a essa conclusão começou há alguns anos, quando o Dr. Roberto Malinow, da Universidade da Califórnia, em San Diego, decidiu examinar se a beta amiloide afetava as sinapses, as conexões funcionais entre células nervosas. Sinais elétricos são transmitidos através das sinapses quando viajam de uma célula nervosa a outra. E as células nervosas produzem beta amiloide e a soltam em suas sinapses. Essa proteína teria alguma função ali?
Uma maneira de descobrir, pensou Malinow, seria construir nervos geneticamente para produzir beta amiloide em excesso e determinar o que aconteceria a seus sinais em experimentos de laboratório.
Os sinais, ele descobriu, ficaram abafados.
Conforme Malinow e seus colegas examinavam mais a fundo, mais eles descobriam que a beta amiloide parecia ser parte de um ciclo de retroalimentação de células nervosas. Um nervo começa a disparar, mas sob algumas condições, o sinal pode ficar intenso demais. Então o nervo libera a beta amiloide, trazendo o sinal de volta aos níveis normais --ponto em que o nervo para de liberar a proteína.
O impacto da beta amiloide nas sinapses era “um efeito muito claro”, ao menos em laboratório, disse Malinow.
“Nós propusemos que a ‘beta-a’ talvez fosse uma parte normal de um sistema de retroalimentação negativa”, explicou Malinow, usando uma abreviação para beta amiloide.
Os danos --e a doença de Alzheimer-- chegam se houver acúmulos demais de beta amiloide no cérebro. Quando isso acontece, os sinais entre as células nervosas são reduzidos em excesso, interrompendo a comunicação.
“O bom em excesso é ruim”, diz Dennis Selkoe, professor de doenças neurológicas da Escola de Medicina de Harvard. Ainda assim, o tratamento antes desse ponto, antes que os nervos estejam morrendo, pode reverter a doença.
Pode haver outra maneira de proteger os nervos contra o excesso de beta amiloide, e ela envolve uma outra proteína ligada ao Alzheimer. Problemas com ela aparecem mais tarde nos cérebros de pacientes com a doença, depois que já ocorreu um acúmulo de beta amiloide.
A proteína se chama “tau”, uma parte integral das células comuns. Ela fica trançada e intrincada com o Alzheimer, depois que as células já estão morrendo, parecendo-se com fios de espaguete enrolados. Durante décadas, pesquisadores discutiram se essas moléculas distorcidas de tau seriam uma causa ou um efeito da morte de células nervosas. Hoje eles acreditam ter uma resposta, o que está acelerando a busca por medicamentos para salvar a tau e proteger o cérebro contra a beta amiloide.
Novos estudos pelo Dr. Lennart Mucke, professor de neurologia da Universidade da Califórnia, em São Francisco, e diretor do Instituto Gladstone de Doenças Neurológicas na mesma cidade, sugerem que a tau facilita os efeitos letais da beta amiloide. Usando ratos geneticamente desenvolvidos em experimentos em laboratório, os pesquisadores descobriram que, sem a tau, a beta amiloide não consegue prejudicar células nervosas.
Se a tau desempenha o mesmo papel nos cérebros humanos, isso poderia resolver um antigo mistério. Em autópsias, os patologistas ocasionalmente descobrem que pessoas com memórias normais tinham muitas placas em seus cérebros. Talvez essas pessoas, por alguma razão, produzissem poucas quantidades de tau ou fossem naturalmente resistentes às interações prejudiciais entre tau e beta amiloide. Seria esse o motivo para eles, de alguma forma, terem resistido a um acúmulo de beta amiloide?
“Essa é uma pergunta muito interessante”, afirmou Mucke. “Nós não sabemos a resposta”. Mas, ele acrescenta, os pesquisadores “deveriam tentar aprender com esses casos a combater a doença com mais eficácia”.
Detecção no início é crucial
Para tratar o Alzheimer antes que seja tarde demais, atualmente os cientistas acreditam que precisam detectar a doença muito mais cedo, antes que haja sintomas. Para isso, eles desenvolveram diversos métodos novos, incluindo exames cerebrais que conseguem mostrar placas de amiloide em pacientes vivos. E para o Dr. Marcus E. Raichle, neurologista da Universidade de Washington, o que os exames mostraram foi uma revelação.
“Fiquei absolutamente estarrecido com o lugar onde isso estava se acumulando no cérebro”, disse ele.
A amiloide estava exatamente nas regiões que ele estudava, a rede padrão. A área é usada não só no “sonhar acordado”, mas também na memória e na sensação de si próprio. Por exemplo, se um homem vê uma lista de adjetivos --honesto, bondoso, atencioso-- e lhe pedem que reflita  sobre o que pensa de si mesmo, ele nunca usará sua rede padrão.
“A região parece ser um alvo do Alzheimer, algo que considero fascinante”, disse Raichle.
Toda a rede padrão, e somente a rede padrão, estava sendo atacada.
A rede padrão tem um funcionamento custoso para o cérebro, usando enormes quantidades de glicose, segundo Raichle. E uma indicação de que uma pessoa está desenvolvendo Alzheimer é que, nos exames, o uso da glicose pelo cérebro fica marcadamente menor. A observação de que o Alzheimer ataca a rede padrão, assim, explica a observação de que um baixo uso de glicose pelo cérebro está associado à doença.
“A rede padrão possui um perfil metabólico exclusivo”, explicou Raichle. “Isso abre uma série de perguntas biológicas sobre como essas sinapses estão operando”.
“Por que o Alzheimer ataca essa região?” perguntou ele. “A resposta simples é, não sabemos”.
Enquanto isso, Holtzman fazia outro tipo de experimento _ que acabou se relacionando diretamente com o que Raichle estava descobrindo.
Ele descobriu uma forma de medir níveis de amiloide nos cérebros de ratos vivos. Ele fazia um pequeno buraco nos crânios e inseria uma sonda que permitia a coleta de beta amiloide.
Holtzman manteve as sondas dentro dos crânios enquanto os animais comiam, corriam pela gaiola e quando estavam dormindo. A síntese de beta amiloide aumentava quando eles estavam acordados _ o momento mais ativo da rede padrão _ e diminuía enquanto eles dormiam.
Então seus colegas, Dr. David Brody, da Universidade de Washington, e Dra. Sandra Magnoni, da Universidade de Milão, conduziram um experimento em pessoas. Seus participantes estavam em coma após acidentes ou derrames. Os médicos frequentemente fazem pequenos buracos nos crânios desses pacientes, e inserem um cateter para monitorar os fluidos no cérebro. Brody e Magnoni perguntaram se podiam medir também a beta amiloide.
Eles descobriram que, quanto menos ativo o cérebro da pessoa, menos amiloide ele produzia. Isso fez os pesquisadores imaginarem se algo similar aconteceria durante o sono _ a rede padrão estava menos ativa, então talvez a produção de beta amiloide estivesse menor. Se isso for verdade, a implicação, que Holtzman está estudando, é que pessoas desprovidas de sono podem sofrer maiores riscos de Alzheimer.
Outra pergunta é se, conforme sugeriram as observações, pessoas com mais estudo são menos propensas a desenvolver Alzheimer. A hipótese de Holtzman é que a educação, por encorajar as pessoas a pensar e solucionar problemas de forma mais deliberada, reduz a atividade da rede padrão, que não é altamente envolvida com atividades de tanta concentração.
Neste ponto, com tantos ramos de pesquisa apontando a tantas ideias sobre o Alzheimer, praticamente tudo é um alvo para tratamentos buscando evitar ou desacelerar a doença _ aprimorar o sistema cerebral de descarte de beta amiloide, interferir com os ciclos de retroalimentação das células nervosas, bloquear a tau, proteger a rede padrão do cérebro ao focar em suas propriedades metabólicas exclusivas.
Porém, os pesquisadores afirmam que a melhor esperança para o futuro imediato está nos remédios experimentais, sendo testados atualmente, que desaceleram a produção de beta amiloide. A esperança é que, se o fluxo de amiloide ao cérebro for desacelerado, os níveis podem cair mesmo se a drenagem de amiloide estiver levemente entupida. Os medicamentos podem funcionar até mesmo se o problema estiver no ralo, e não na torneira.
O truque com o Alzheimer, porém, pode ser iniciar o tratamento antes de haver danos demais.
E, segundo o Dr. Samuel E. Gandy, professor de neurologia da Escola de Medicina Mount Sinai, há algumas perguntas importantes que terão de ser respondidas em breve.
“As perguntas para o pessoal da amiloide são: o que significa ‘cedo’ para iniciar o tratamento com sucesso? Quão cedo? Quanto tempo inviabiliza o tratamento? E quais são os outros alvos que deveríamos estar atacando?”
Mas por enquanto, segundo Holtzman, as novas descobertas trazem esperança.
“Hoje temos uma visão mais rica da gênese da doença de Alzheimer, além de novos direcionamentos para pesquisa, prevenção e tratamento”, concluiu ele.
Pesquisadores do Alzheimer estão obcecados por um pequeno e grudento fragmento de proteína, a beta amiloide, que se junta em formato de bolas nos cérebros de pacientes com essa doença neurológica degenerativa.
Ela é uma proteína normal. O cérebro de todas as pessoas a produz. Mas o problema com o Alzheimer é que ela começa a se acumular em bolas --as placas. O primeiro sinal de que a doença está se desenvolvendo -- antes de qualquer sintoma-- é o acúmulo de amiloide. E durante anos, deduziu-se que o problema do Alzheimer era que as células do cérebro estavam produzindo proteína demais.
Mas agora, um surpreendente novo estudo descobriu que essa visão parece estar errada. A maioria das pessoas com Alzheimer parece produzir quantidades absolutamente normais de amiloide, mas elas simplesmente não conseguem se livrar da proteína. É como uma pia que transborda graças a um ralo entupido, e não por uma torneira que não fecha.
Essa novidade faz parte de uma onda de descobertas inesperadas que vêm enriquecendo as visões científicas da gênese do Alzheimer. Em alguns casos, como a história do descarte de amiloide, o trabalho aponta a novas formas de entender e atacar a doença.
Se os pesquisadores conseguissem encontrar uma maneira de acelerar esse descarte, talvez pudessem desacelerar ou interromper a doença. Pesquisadores também descobriram que a amiloide, em suas quantidades normais, parece ter uma função no cérebro --ela pode estar agindo como um disjuntor, para evitar que as descargas dos nervos fiquem fora de controle.
Mas amiloide em excesso pode desligar os nervos, eventualmente levando à morte celular. Isso significa que, se os níveis de amilóides fossem reduzidos no início da doença --quando a amiloide em excesso já atordoa as células nervosas, mas ainda não as matou --, os danos poderiam ser revertidos.
Outra linha de pesquisa envolve a rede padrão do cérebro: um sistema de células que está sempre ligado em algum nível. Ele inclui o hipocampo, que é o centro de memória do cérebro, mas também outras regiões, e representa o modo de “divagação mental” do cérebro --a parte que está ativa quando, por exemplo, você dirige seu carro e começa a pensar sobre o que fará para jantar. Esse sistema cerebral, segundo os cientistas, é exatamente a rede que é atacada pelo Alzheimer, e protegê-lo de alguma forma poderia ajudar a manter a saúde do cérebro por mais tempo.
Por exemplo, durante o sono sem sonhos, imagina-se que a rede padrão esteja menos ativa, como uma lâmpada em meia-luz. A rede também reduz sua atividade durante atividades intelectuais intensas e focadas, que usa regiões diferentes do cérebro. Uma nova teoria sugere que, se a rede padrão pode ficar em descanso, a produção de amiloide pode ser reduzida --permitindo inclusive que um sistema de descarte de amiloide, parcialmente amarrado pelo Alzheimer, faça um melhor trabalho.
O resultado de todo esse trabalho é um vigor renovado no campo. Após anos em que não se sabia como atacar essa devastadora doença, os cientistas têm quase um exagero de riqueza. As pesquisas estão em estágios iniciais, é claro, e há muitas questões acerca de quais descobertas e ideias levarão a uma prevenção, ou um tratamento, que funcione.
Mas existe uma nova esperança de que, finalmente, essa terrível doença poderá eventualmente ser vencida, afirmou Richard Mohs, líder do grupo de Alzheimer da companhia farmacêutica Eli Lilly.
“Estamos muito mais próximos, e bastante otimistas de que conseguiremos chegar lá”, disse Mohs.
Uma pergunta crucial
Quando o Dr. Randall Bateman tentou, pela primeira vez, obter financiamento para uma tentativa de responder a uma pergunta do tipo “o ovo e a galinha” sobre o Alzheimer, alguns grandes financiadores o recusaram, dizendo duvidar que aquilo daria certo. Mas eles estavam errados. Ele conseguiu sua resposta, embora tenha levado muito mais tempo do que o esperado, e seu artigo descrevendo os resultados foi recentemente publicado online pela revista “Science”.
A pergunta lhe ocorreu em 2003, quando ele trabalhava como neurologista. Certo dia, ele estava sentado na lanchonete do hospital da Universidade Washington, em St. Louis, aproveitando uma sopa grátis. O Dr. David M. Holtzman, professor de neurologia, se juntou a ele, e os dois começaram a conversar sobre o enigma do Alzheimer. Por que, se perguntava Bateman, a beta amiloide se acumulava no cérebro dos pacientes? As pessoas a estariam produzindo em excesso? Ou seriam elas incapazes de descartar o que haviam produzido?
Ótima pergunta, respondeu Holtzman, mas que tipo de testes você poderia fazer para respondê-la?
Bateman ruminou sobre o assunto por um ano, e finalmente chegou a um método. Não seria fácil --os participantes do estudo teriam de ficar 36 horas com um cateter em sua coluna vertebral, coletando fluido cérebro-espinhal. “Eu disse, ‘Eu acho que provavelmente posso desenvolver e fazer isso em cerca de seis meses”, disse ele a Holtzman.
Holtzman tinha suas dúvidas.
“Achei que sua ideia poderia funcionar conceitualmente, mas tudo dar certo num ser humano era uma possibilidade remota”, disse ele.
O plano de Bateman era colocar um cateter na veia de uma pessoa e introduzir um ingrediente --o aminoácido leucina, de que as células precisam para produzir a beta amiloide.
A leucina infundida seria quimicamente modificada com uma forma de carbono que não afetasse sua função ou segurança, mas que tornasse mais fácil detectar a amiloide recém-produzida à medida que ela fosse liberada pelo fluido espinhal. E sabendo a quantidade de leucina injetada nas pessoas, ele poderia medir quanta amiloide foi produzida e a velocidade com que ela era drenada.
Quando o estudo começou, o próprio Bateman foi seu primeiro participante. Em seguida ele fez o teste em pessoas de 30 e 40 anos, além de idosos saudáveis e pessoas com Alzheimer.
Ele finalmente terminou o estudo, obtendo sua resposta em sete anos --em vez dos seis meses que havia ingenuamente citado.
O problema com o Alzheimer, ele descobriu, é o descarte. A beta amiloide, segundo ele, normalmente é descartada com extrema rapidez --em oito horas, metade da beta amiloide no cérebro já havia sido varrida do cérebro e substituída por nova beta amiloide.
Ele descobriu que, com a doença de Alzheimer, a beta amiloide é produzida em ritmo normal, mas ela fica ali, sendo drenada numa velocidade 30 por cento menor do que em pessoas saudáveis da mesma idade. E os idosos saudáveis, por sua vez, limpam a substância do cérebro mais lentamente do que os jovens.
Isso significa que poderia ser possível atacar o Alzheimer não só se livrando da beta amiloide, mas também acelerando seu descarte. E, segundo ele, há uma mensagem clara em seus resultados.
“O que pode estar ocorrendo é que o mecanismo de descarte se quebra primeiro”, disse Bateman. Lentamente, com o passar dos anos, a beta amiloide começa a se acumular no cérebro. Se aquele descarte pudesse ser consertado, ou aprimorado, o acúmulo nunca aconteceria.
Beta amiloide como controle de sinais
Durante anos, os pesquisadores do Alzheimer se perguntaram se o cérebro usava as pequenas moléculas de beta amiloide ou se aqueles fragmentos, criados pela divisão de uma proteína maior, seriam mais como pedaços de tecido, sem propósito e apenas ficando no caminho.
Hoje, alguns dizem que podem ter a resposta. A beta amiloide, em pequenas quantidades, parece controlar os sinais entre as células nervosas, reduzindo a intensidade desses sinais quando eles são fortes demais. Mas quando ela se acumula, o cérebro fica com excesso de uma coisa boa. Os impulsos nervosos podem ser completamente interrompidos, nervos podem morrer e a doença pode assumir o controle, segundo essa ideia.
O trabalho que levou a essa conclusão começou há alguns anos, quando o Dr. Roberto Malinow, da Universidade da Califórnia, em San Diego, decidiu examinar se a beta amiloide afetava as sinapses, as conexões funcionais entre células nervosas. Sinais elétricos são transmitidos através das sinapses quando viajam de uma célula nervosa a outra. E as células nervosas produzem beta amiloide e a soltam em suas sinapses. Essa proteína teria alguma função ali?
Uma maneira de descobrir, pensou Malinow, seria construir nervos geneticamente para produzir beta amiloide em excesso e determinar o que aconteceria a seus sinais em experimentos de laboratório.
Os sinais, ele descobriu, ficaram abafados.
Conforme Malinow e seus colegas examinavam mais a fundo, mais eles descobriam que a beta amiloide parecia ser parte de um ciclo de retroalimentação de células nervosas. Um nervo começa a disparar, mas sob algumas condições, o sinal pode ficar intenso demais. Então o nervo libera a beta amiloide, trazendo o sinal de volta aos níveis normais --ponto em que o nervo para de liberar a proteína.
O impacto da beta amiloide nas sinapses era “um efeito muito claro”, ao menos em laboratório, disse Malinow.
“Nós propusemos que a ‘beta-a’ talvez fosse uma parte normal de um sistema de retroalimentação negativa”, explicou Malinow, usando uma abreviação para beta amiloide.
Os danos --e a doença de Alzheimer-- chegam se houver acúmulos demais de beta amiloide no cérebro. Quando isso acontece, os sinais entre as células nervosas são reduzidos em excesso, interrompendo a comunicação.
“O bom em excesso é ruim”, diz Dennis Selkoe, professor de doenças neurológicas da Escola de Medicina de Harvard. Ainda assim, o tratamento antes desse ponto, antes que os nervos estejam morrendo, pode reverter a doença.
Pode haver outra maneira de proteger os nervos contra o excesso de beta amiloide, e ela envolve uma outra proteína ligada ao Alzheimer. Problemas com ela aparecem mais tarde nos cérebros de pacientes com a doença, depois que já ocorreu um acúmulo de beta amiloide.
A proteína se chama “tau”, uma parte integral das células comuns. Ela fica trançada e intrincada com o Alzheimer, depois que as células já estão morrendo, parecendo-se com fios de espaguete enrolados. Durante décadas, pesquisadores discutiram se essas moléculas distorcidas de tau seriam uma causa ou um efeito da morte de células nervosas. Hoje eles acreditam ter uma resposta, o que está acelerando a busca por medicamentos para salvar a tau e proteger o cérebro contra a beta amiloide.
Novos estudos pelo Dr. Lennart Mucke, professor de neurologia da Universidade da Califórnia, em São Francisco, e diretor do Instituto Gladstone de Doenças Neurológicas na mesma cidade, sugerem que a tau facilita os efeitos letais da beta amiloide. Usando ratos geneticamente desenvolvidos em experimentos em laboratório, os pesquisadores descobriram que, sem a tau, a beta amiloide não consegue prejudicar células nervosas.
Se a tau desempenha o mesmo papel nos cérebros humanos, isso poderia resolver um antigo mistério. Em autópsias, os patologistas ocasionalmente descobrem que pessoas com memórias normais tinham muitas placas em seus cérebros. Talvez essas pessoas, por alguma razão, produzissem poucas quantidades de tau ou fossem naturalmente resistentes às interações prejudiciais entre tau e beta amiloide. Seria esse o motivo para eles, de alguma forma, terem resistido a um acúmulo de beta amiloide?
“Essa é uma pergunta muito interessante”, afirmou Mucke. “Nós não sabemos a resposta”. Mas, ele acrescenta, os pesquisadores “deveriam tentar aprender com esses casos a combater a doença com mais eficácia”.
Detecção no início é crucial
Para tratar o Alzheimer antes que seja tarde demais, atualmente os cientistas acreditam que precisam detectar a doença muito mais cedo, antes que haja sintomas. Para isso, eles desenvolveram diversos métodos novos, incluindo exames cerebrais que conseguem mostrar placas de amiloide em pacientes vivos. E para o Dr. Marcus E. Raichle, neurologista da Universidade de Washington, o que os exames mostraram foi uma revelação.
“Fiquei absolutamente estarrecido com o lugar onde isso estava se acumulando no cérebro”, disse ele.
A amiloide estava exatamente nas regiões que ele estudava, a rede padrão. A área é usada não só no “sonhar acordado”, mas também na memória e na sensação de si próprio. Por exemplo, se um homem vê uma lista de adjetivos --honesto, bondoso, atencioso-- e lhe pedem que reflita  sobre o que pensa de si mesmo, ele nunca usará sua rede padrão.
“A região parece ser um alvo do Alzheimer, algo que considero fascinante”, disse Raichle.
Toda a rede padrão, e somente a rede padrão, estava sendo atacada.
A rede padrão tem um funcionamento custoso para o cérebro, usando enormes quantidades de glicose, segundo Raichle. E uma indicação de que uma pessoa está desenvolvendo Alzheimer é que, nos exames, o uso da glicose pelo cérebro fica marcadamente menor. A observação de que o Alzheimer ataca a rede padrão, assim, explica a observação de que um baixo uso de glicose pelo cérebro está associado à doença.
“A rede padrão possui um perfil metabólico exclusivo”, explicou Raichle. “Isso abre uma série de perguntas biológicas sobre como essas sinapses estão operando”.
“Por que o Alzheimer ataca essa região?” perguntou ele. “A resposta simples é, não sabemos”.
Enquanto isso, Holtzman fazia outro tipo de experimento _ que acabou se relacionando diretamente com o que Raichle estava descobrindo.
Ele descobriu uma forma de medir níveis de amiloide nos cérebros de ratos vivos. Ele fazia um pequeno buraco nos crânios e inseria uma sonda que permitia a coleta de beta amiloide.
Holtzman manteve as sondas dentro dos crânios enquanto os animais comiam, corriam pela gaiola e quando estavam dormindo. A síntese de beta amiloide aumentava quando eles estavam acordados _ o momento mais ativo da rede padrão _ e diminuía enquanto eles dormiam.
Então seus colegas, Dr. David Brody, da Universidade de Washington, e Dra. Sandra Magnoni, da Universidade de Milão, conduziram um experimento em pessoas. Seus participantes estavam em coma após acidentes ou derrames. Os médicos frequentemente fazem pequenos buracos nos crânios desses pacientes, e inserem um cateter para monitorar os fluidos no cérebro. Brody e Magnoni perguntaram se podiam medir também a beta amiloide.
Eles descobriram que, quanto menos ativo o cérebro da pessoa, menos amiloide ele produzia. Isso fez os pesquisadores imaginarem se algo similar aconteceria durante o sono _ a rede padrão estava menos ativa, então talvez a produção de beta amiloide estivesse menor. Se isso for verdade, a implicação, que Holtzman está estudando, é que pessoas desprovidas de sono podem sofrer maiores riscos de Alzheimer.
Outra pergunta é se, conforme sugeriram as observações, pessoas com mais estudo são menos propensas a desenvolver Alzheimer. A hipótese de Holtzman é que a educação, por encorajar as pessoas a pensar e solucionar problemas de forma mais deliberada, reduz a atividade da rede padrão, que não é altamente envolvida com atividades de tanta concentração.
Neste ponto, com tantos ramos de pesquisa apontando a tantas ideias sobre o Alzheimer, praticamente tudo é um alvo para tratamentos buscando evitar ou desacelerar a doença _ aprimorar o sistema cerebral de descarte de beta amiloide, interferir com os ciclos de retroalimentação das células nervosas, bloquear a tau, proteger a rede padrão do cérebro ao focar em suas propriedades metabólicas exclusivas.
Porém, os pesquisadores afirmam que a melhor esperança para o futuro imediato está nos remédios experimentais, sendo testados atualmente, que desaceleram a produção de beta amiloide. A esperança é que, se o fluxo de amiloide ao cérebro for desacelerado, os níveis podem cair mesmo se a drenagem de amiloide estiver levemente entupida. Os medicamentos podem funcionar até mesmo se o problema estiver no ralo, e não na torneira.
O truque com o Alzheimer, porém, pode ser iniciar o tratamento antes de haver danos demais.
E, segundo o Dr. Samuel E. Gandy, professor de neurologia da Escola de Medicina Mount Sinai, há algumas perguntas importantes que terão de ser respondidas em breve.
“As perguntas para o pessoal da amiloide são: o que significa ‘cedo’ para iniciar o tratamento com sucesso? Quão cedo? Quanto tempo inviabiliza o tratamento? E quais são os outros alvos que deveríamos estar atacando?”
Mas por enquanto, segundo Holtzman, as novas descobertas trazem esperança.
“Hoje temos uma visão mais rica da gênese da doença de Alzheimer, além de novos direcionamentos para pesquisa, prevenção e tratamento”, concluiu ele.
Por Gina Kolata - New York Times News Service
Tradutor: Gabriela D'Ávila
Fonte: Uol.com - Ciências e Saúde



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