Uma Semente - D. Martyn Lloyd-Jones


O argumento é que ser "nascido de Deus" significa que uma semente, ou um princípio da vida eterna, foi colocada em nós. Essa é a doutrina que, como indiquei num estudo anterior, torna completamente impossível aceitar o ensino acerca do "Deixe correr e deixe com Deus". É-nos dito que, porque esta semente da nova vida está em nós, não podemos continuar em pecado. A verdade é afirmada categoricamente. É-nos dito que nada podemos fazer, senão entregar-nos ao Senhor; temos de compreender que Ele colocou um princípio de vida, uma semente, em nós, e que não podemos continuar praticando o pecado porque a semente está em nós; quer dizer, somos nascidos de Deus. Este princípio de vida que Ele colocou em nós tem poder, tem força, muda tudo. "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17).

Aquela outra ideia segundo a qual o cristão permanece sendo o que sempre foi, mas agora repousa no poder de Deus - ideia colocada nos termos da ilustração do atiçador de chama - é também uma negação deste ensino acerca da semente. O cristão não é simplesmente alguém que tomou uma decisão, que decidiu seguir a Cristo e fazer isso ou aquilo. Ele o faz, porém o que o leva a fazê-lo é que esta semente da vida eterna foi colocada nele, que ele é nascido de Deus. Há nesse homem algo que é maior do que o homem todo, e este é o novo princípio que vai governar a totalidade da sua vida. Posto que é assim, ele não pode continuar vivendo como vivia. Diz a Bíblia que a princípio ele é apenas um bebê, uma criança, em Cristo. Portanto, surge a questão: como esse bebê pode crescer, como essa criança pode desenvolver-se? Ou, coloquemos a interrogação noutra forma - como é que este princípio de vida, poder e vigor pode ser alimentado, nutrido e desenvolvido e assim fortalecer-se cada vez mais?

A melhor maneira de responder essa pergunta é seguir a linha da analogia sugerida pela terminologia utilizada nas Escrituras. A necessidade óbvia é de comida e bebida. De que é que o bebê recém-nascido necessita acima de tudo? Alimento e água. Necessita de nutrição. Se o bebê há de desenvolver-se, vindo a ser criança, adolescente, homem, precisa de sustento. O bebê recém-nascido é dependente e fraco, e nada pode fazer em seu próprio benefício. Mas virá o dia em que ele terá força, vigor e poder, e será capaz de fazer coisas para si e para outros. O alimento e a água produzem esta mudança. Na vida cristã é exatamente a mesma coisa; e este é um modo como nos tornamos fortes "no Senhor e na força do seu poder".

Como cristãos, recebemos força e poder da semente da vida que é colocada em nós. Todavia a semente terá que medrar e desenvolver-se, e nós temos que tomar medidas, providenciando para que a vida de Deus a nós dada medre, se desenvolva e constantemente seja cada vez mais forte.

Para mostrar como isso acontece, devemos resumir o ensino que trata deste problema em quase toda parte da Bíblia. Começo falando de comida e bebida porque estas vêm em primeiro lugar. Como as obtemos? O nosso Senhor responde pessoalmente no versículo trinta e cinco do capítulo seis do Evangelho Segundo João; "Aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede". Comida e bebida satisfazem a fome e a sede. Em Cristo as encontramos, indo a Ele, e perseverando em ir a Ele. "Aquele que vem" - que persevera em vir a Mim - "não terá fome, e quem crê" - quem persevera em crer - "nunca terá sede." No mesmo capítulo, no versículo 53, lemos: "Jesus pois lhes disse: na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele". E mais: "Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo (ou por causa do) Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim". Aí temos ensino profundo e místico. Certos ouvintes reagiram e disseram: "Duro é este discurso; quem o pode ouvir?" Do que é que Ele está falando? "Como nos pode dar este a sua carne a comer?" (versículo 52), perguntaram eles. Tropeçaram nisso. Na verdade nos diz a passagem que "muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele" (versículo 66). Não puderam entender as palavras do Senhor e, na verdade, ofenderam-se com elas.
Portanto, estas palavras chegam a nós como uma prova. A nossa reação a estas palavras proclama exatamente o que somos e onde estamos. Nada mais glorioso e maravilhoso jamais foi oferecido aos seres humanos, e, todavia, é possível às pessoas rejeitar a mensagem e ter profunda aversão por ela. Parecia que todos O estavam abandonando, pelo que o nosso Senhor voltou-Se para os discípulos e disse: "Quereis vós também retirar-vos?" Pedro, sem entender plenamente o que estava falando, disse: "Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho de Deus".

Então, que quer dizer isso? Diz o nosso Senhor que as Suas palavras são espírito, não carne. Ele não está falando de coisas materiais. Está falando de maneira espiritual. Ele está utilizando uma analogia aqui. O que Ele quer dizer, e diz, é: o Pai Me enviou, e Eu vivo por causa do Pai. Vivo pelo Pai, e recebo Minha força, Minha nutrição e Meu poder do Pai. Isto faz parte do que a encarnação envolve. Jesus não tinha deixado de ser o Filho de Deus, mas tinha assumido a natureza humana. Agora estava vivendo a Sua vida como homem, com a natureza humana. Não estava vivendo em termos da Sua divindade; esta continuava nEle, porém Ele não vivia por ela. Estava vivendo uma vida de completa dependência do Seu Pai. Por isso orava com tanta regularidade como orava. Diz Ele: Eu vivo pelo Pai; isto é, do Pai Eu retiro a Minha força, a minha nutrição, tudo que é Meu. E Ele diz que, de igual maneira, o homem que verdadeiramente crê em Mim, vive por causa de Mim. Ele Se expressa em termos de comer Sua carne e beber Seu sangue; o que realmente significa assumi-L0, crer nEle como Ele é em toda a Sua plenitude, e daí por diante viver uma vida determinada, dirigida e governada por esta fé nEle, por esta rendição a Ele, por esta confiança nEle e na força do Seu poder.


O Senhor fala disso dramaticamente, naqueles termos, a fim de que possamos ver que se trata de algo que eu e você temos de fazer de maneira total e completa. Não basta que digamos: "Sim, eu creio no Senhor Jesus Cristo, cri nEle num dado momento e, desde aquele momento, tenho sido sempre cristão". A verdadeira fé em Cristo leva a "comer a carne e beber o sangue", quer dizer, realmente comer e beber, mastigar, engolir, assimilar, fazer disso uma parte do seu ser, compreendendo que Ele é o seu Pão da vida. "Eu sou o pão da vida", diz Ele. Ele Se contrasta com o maná do deserto, que era apenas um tipo e uma figura - algo dado para manter o bem estar físico - e, contudo, um grandioso tipo do que Ele ia fazer quando viesse. "Eu sou o pão da vida... se alguém comer deste pão, viverá para sempre", diz Ele. Todo aquele que comer de Mim jamais morrerá, neste sentido espiritual, porque está recebendo vida, torna-se "participante da natureza divina", alimenta-se de um maná celestial. Ele está se alimentando de Mim, está vivendo em Mim, está vivendo por Mim, está vivendo porque Eu Sou o que Sou e realizei a obra que o Pai Me deu.

Fonte: Martyn Lloyd Jones
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