Vinte anos de luta pela infância

Editorial - Jornal do Brasil - 16/07/2010


RIO - A comemoração pelos 20 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi marcada pela percepção que, passados todos estes anos, muita coisa prevista no regulamento ainda está por fazer. O conjunto de regras é um marco importante na consolidação da sociedade brasileira, mas como em todos os dispositivos legais também encontrou resistências pelo caminho. A questão do menor infrator, por exemplo, ainda é uma ferida aberta na discussão sobre maioridade penal e punição por crimes cometidos por menores de idade. O ECA estará na berlinda novamente em breve, quando for a julgamento o menor de 17 anos que é peça central do inquérito policial no qual são investigadas as circunstâncias do desaparecimento da jovem Eliza Samudio. Cúmplice ou testemunha de um dos mais bárbaros crimes de que se tem notícia, o jovem tem pela frente um período em uma instituição de ressocialização. Sabe-se que, pelo menos naquelas instaladas no Rio, o padrão de divisão dos grupos internos reproduzindo as facções criminosas da cidade se mantém. Em vez de reeducar, na maioria das vezes o período de internação acaba forjando mentes mais degeneradas. O país precisa mergulhar nesse debate de forma mais construtiva, procurando alternativas que ainda representem obrigatoriedade de se resgatar os que efetivamente merecem. E de manter afastados do convívio social aqueles que, notadamente, dele não podem participar.

Outro ponto importante revelado no aniversário do ECA requer igual atenção. A denúncia de que das 80 ligações diárias encaminhadas ao teleatendimento do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, 36% dizem respeito a questões de abuso ou violência sexual contra crianças. Se o ato em si já é estarrecedor, lidar com tal estatística é chocante até para quem está acostumado a tratar esse tipo de vítima. O índice mostra um grau de vilania enorme, e uma degeneração dos valores morais e éticos que deve preocupar a todos. Para as próximas duas décadas, todo esforço deverá ser feito no sentido não só de combater esse tipo de desvio mas sobretudo no de recuperar aquelas criaturas cuja infância foi dilapidada por pessoas inescrupulosas e sem humanidade.

Perto de temas como o do abuso, a discussão sobre os limites da violência dentro de casa parece até pequena, mas não é. Há que se educar muito a população de modo que consiga estabelecer um senso comum entre aquilo que é uma forma de impor limites, a quem não os desenvolveu ainda, e uma demonstração de força na qual a dor é a ferramenta de submissão do mais fraco. Se beliscar ou dar palmadas em crianças desobedientes é uma agressão ou não, cabe a pais esclarecidos e, sobretudo, cientes dos direitos que seus filhos possuem desde o nascimento, compreender e aceitar. Encontrar o equilíbrio é a grande metáfora da vida. Inclusive nesse caso.

Eu vi no: Fatos no Espelho
Fonte:  JB Online
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